quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Assopro no coração




"O curioso foi que o peso desta notícia de que tinha um problema cardíaco não abalou o jovem Malle. Ao contrário, para ele ficar doente foi ótimo, porque não precisava mais ir a escola, comia o que queria, lia o que queria, era mimado pelas empregadas, e a mãe lhe dava uma atenção e um afeto que em nenhum outro momento ele teve em sua vida." (Do Filme: O sopro do coração - Lume Filmes)

Assopro ou sopro?


As duas palavras existem no dicionário. Assopro e sopro. A primeira é mais utilizada pelos leigos e a segunda pelos profissionais da área de saúde.

Como é isso? O coração sopra?

Existem sopros inocentes e culpados?

Todo sopro é sinônimo de doença do coração?

Diante de toda criança com sopro vários exames necessariamente deverão ser feitos?

Se a gente colocar o ouvido no peito da criança dá para ouvir o sopro?

Existem muitas mães superprotegendo seus filhos, não os deixando nem chorar em excesso, satisfazendo todas suas vontades só para não os contrariar, pelo fato de um médico ter falado que seu filho tinha sopro.

Cuidado! Ele não pode chorar! Não o contrarie! Dê logo o que ele quiser! Tem sopro!

E qualquer problema corriqueiro de saúde que a criança tenha levam-no logo ao médico, na correria, furando filas nos Postos de Saúde, passando na frente dos outros nos Pronto Atendimentos, aprontando um alvoroço.

Meu filho tem sopro, acudam logo!

Coisas que acontecem no coração trazem muitas angústias em todas idades, principalmente para os pais.

As crianças, muitas vezes, não estão nem aí. Continuam esbanjando saúde. Seus pais é que ficam doentes de tanta ansiedade e de ouvir falar isso e aquilo.

Notícias de alguém que morreu de repente. De uma criança que foi em um bom médico que falou que seu filho tinha sopro e pediu um tanto de exames, enquanto aquele outro médico deixou passar, não pediu nenhum, e tal.

Meu filho tem sopro! E ficam com isso na cabeça o tempo todo. As crianças crescem, viram adolescentes, o sopro some, e continuam dizendo: meu filho tinha sopro!

Sentimos com o coração, com o cérebro, ou com o corpo inteiro?

Ou o coração é apenas um órgão semelhante a uma bomba, contribuindo para impulsionar o sangue pelo resto do corpo?

Não seja uma pessoa sem coração! Ouvimos. Aquele sujeito é de bom coração, não faria uma maldade dessas. Pelé chutava a bola com o coração nos pés. E assim vai...

Esse órgão essencial à vida é carregado de símbolos de bondade, tristeza, dor, felicidade, amor, ódio, esperanças.

Também é vítima de muitas doenças que poderão ceifar vidas jovens, interrompendo promessas cativadas no coração de cada um. Lembramos afetuosamente de pessoas de bom coração, caridosas.

As imagens religiosas trazem corações dilacerados pela dor dos Santos ou pela mãe de Deus, acudindo a nós, mortais do coração.

Daí o diagnóstico de sopro no coração ser sinônimo de doença grave para a maioria dos pais de corações angustiados pelo futuro dos filhos. Têm suas razões.

O sopro cardíaco origina-se de ondas sonoras turbulentas emanadas do coração e/ou sistema vascular.

Há um padrão de ausculta cardíaca a que os médicos estão acostumados a ouvir quando colocam o aparelho no peito da criança. Quando esse padrão habitual é alterado, emitindo um som semelhante a um sopro, recebe o nome de sopro cardíaco.

Sopro cardíaco inocente, a que tantos pais já ouviram falar, é a mudança da ausculta cardíaca que ocorre na ausência de alterações anatômicas e funcionais do coração. Isto é, não há uma lesão no coração. Ele está bem, apenas emitindo um som diferente à ausculta.

O sopro cardíaco inocente é ouvido em 50 a 80% das crianças normais durante toda a infância e na adolescência, excluindo-se o período de recém-nascidos.

Na idade escolar essa percentagem chega entre 75 a 90%.

Nos recém-nascidos e crianças de baixa idade, principalmente abaixo de 6 meses, a detecção de alteração da ausculta cardíaca é sempre considerada como potencialmente (mas não necessariamente) indicativa de doença cardiovascular, devendo ser encaminhada para diagnóstico.

Quanto menor a faixa de idade maior a urgência no esclarecimento diagnóstico, pois as chances de ocorrência de cardiopatias são maiores. A presença de sopro associado a determinados sintomas aumentam essa probabilidade.

Cianose (cor roxa das unhas e lábios), dor torácica, falta de ar e outros, em qualquer faixa de idade.

Na prática, na grande maioria das vezes, o sopro cardíaco é detectado pelo médico em consulta de rotina ou durante o atendimento a outros problemas comuns de saúde, com a criança assintomática em relação ao coração.

Esse achado pode ocorrer em qualquer faixa de idade, mesmo que em exames anteriores as crianças tenham sido consideradas normais. Isso não significa que o diagnóstico anterior foi omitido ou não foi feita a comunicação com os pais.

Quando o sopro cardíaco for em consequencia de um problema cardíaco raramente aparecerá sozinho. Estarão presentes outros sinais e sintomas associados que serão cuidadosamente avaliados pelo pediatra e pedidos os exames necessários.

O que os pais precisam saber é que quando o profissional médico comunicar-lhes da existência de um sopro inocente em seus filhos é para ficar tranquilos e não fazer da vida da criança uma prisão sem fim.

Se têm sopro inocente poderão jogar bola, correr, chorar, gritar, estudar, alimentar, viver como qualquer outra criança. Na hora de ensinar os limites de comportamento é para colocar mesmo.

Evite a neurose de olhar para seu filho com sopro como se ele fosse menos que. O estigma de doente é muito pior do que a inocência de um sopro.
 
Clínica Infanto-Juvenil Pró-Crescer: Do feto à adolescência. (http://www.procrescer.med.br/)