terça-feira, 17 de novembro de 2009

Adolescência e drogas: os descaminhos da fuga




Imagine que de repente, lento, mas de maneira irreversível, contra sua vontade, você começasse a diminuir de tamanho. De tal forma que no final do ano estivesse 12 cm menor, com perspectivas de diminuir a cada dia que passasse. Seus dedos, seus pés, suas mãos, visivelmente desajeitados, pediriam abrigo, sem que se pudesse escondê-los, mais finos e menores.

Imagine que de repente seus pêlos debaixo do braço, do rosto, do púbis, deixassem de crescer e pouco a pouco fossem desaparecendo. Seus músculos, seus ossos, por todo o corpo, fossem se atrofiando. Os órgãos sexuais fossem diminuindo de tamanho em comprimento e diâmetros. Os seios, a cada ano que passasse, fossem desaparecendo. As menstruações cessassem.As ejaculações deixassem de existir. Seu interesse sexual fosse sofrendo mudanças incompreensíveis.

Imagine que sua barba deixasse de crescer até seu rosto ficar lisinho como o de uma criança. Seus pensamentos, tão lógicos e certos, começassem a duvidar de tudo e de todos. Questões sobre religião, leis, regras, como que se fossem autônomas, começassem a chamar sua atenção, tomar conta de seus interesses, povoar seus sonhos. Serem causas de brigas constantes no meio onde você vive. Dentro e fora de sua família.

As opiniões de seus pais, ou das pessoas que são de grande valor afetivo para você, começassem a lhe parecer enfadonhas, repetitivas, chatas, camisas de força.

Seus amigos, muito mais que seus familiares, assumiriam a razão de tudo. Muito melhor seria a companhia deles do que as de rosto familiar dentro de casa, desse mundinho fechado.

Ora você sentiria vontade de estar só, trancado no quarto, ora sentiria uma vontade louca para estar entre os amigos da turma. De manhã, tudo azul, um dia beleza. Daí a pouco, sem razão aparente, tudo um saco. Todo mundo chato. Do choro escondido às alegrias esfuziantes, do cabisbaixo de há pouco ao mais garboso de todos, há somente um nada de tempo. O mundo certamente não o compreenderia. Vasto mundo.

Você estaria só. Desamparado. Estranho de si mesmo.Estaria enlouquecendo? Seria isso a tal da loucura?

Feche seus olhos e se imagine um pouco como acima. Como você se sentiria? Seu chão seguro de agora seria o mesmo? Ou surgiria uma insegurança danada diante de tantas mudanças que estariam ocorrendo nesse seu desconhecido corpo, morada de seus pensamentos, sentimentos, turbilhão de fenômenos desconhecidos? Sentiria medo ou continuaria senhor de si? De verdade. Sem enganar a si mesmo.

Pronto, abra os olhos. Procure agora enxergar alguns adolescentes que poderão estar na sua frente. Seu filho, seu vizinho, o amigo de seu filho, algum transeunte. Procure vê-los com os olhos de agora. Lembre de sua adolescência.

De repente, mal saindo da infância, sem que nada pudesse ser feito ao contrário, mãos e pés começam a crescer, ficar desengonçados, seguidos posteriormente pelo crescimento das pernas, bacia e tronco. No rosto começam a surgir espinhas enfeando a imagem. Debaixo do braço e sobre os órgãos sexuais começam a surgir pêlos, de início claros para depois se tornarem crespos e enegrecidos, trazendo um misto de gozo e afastamento, fontes de perigo.

Nesse mesmo ex-corpo da infância as mamas começam a crescer. Os órgãos sexuais, até então pequenos e sem chamar muito a atenção, começam a jorrar fontes de prazer e ser motivo de vergonha. O desejo de comunhão com o corpo alheio, do sexo oposto, começa a atazanar os pensamentos. O pecado começa a morar ao lado.

A voz dos pais, heróis até então, começa a soar estridente e aborrecida. Seus valores não são lá grandes coisas como pareciam ser. Muito mais certos estão os amigos da turma, esses sim, compreendem muito mais uns aos outros sem ficar enchendo o saco. Passam a ser símbolos de status e poder. Estar com eles é o que há. Onde rolam coisas que só eles entendem.

A voz, canal da aparente inocência infantil, começa a mudar de timbre. Ora grossa, esganiçada, ora fina, atropelada. Às vezes sendo melhor ficar calado, mudo, do que revelar contradições internas, que seriam incompreensíveis. Ninguém os entenderiam mesmo, exceto os amigos da turma. Mesmo assim, não são todos. Alguns mais chegados.

A questão religiosa começa a tomar força nessa época. Sentimentos que vão do ateísmo completo ao fanatismo extremo. Regras, normas e leis, são uma babaquice. Coisas do mundo sem graça dos adultos.

O vasto mundo dá medo. É um chão liso, escorregadio, cheio de armadilhas.

São dez anos de experimentações, dos dez aos vinte anos, para se chegar ao equilíbrio da vida adulta. Mesmo assim a um equilíbrio duvidoso. Se pensarmos bem, não é tão seguro assim. Pelo menos sem tanto tumulto e turbilhões, com tantas mudanças ocorrendo no corpo sem ninguém pedir.

O que tem haver tudo isso com o mundo das drogas?


MUDANÇAS CORPORAIS: REALIDADE DA QUAL NÃO SE PODE FUGIR


Dispa-se do pré conceito de que drogas são somente para os filhos dos outros. Para os favelados. E que seus filhos estão seguramente protegidos. Infelizmente a realidade não é bem assim, como gostaríamos que fosse.

A complexidade do mundo atual tornou mais fácil o acesso às drogas. As variáveis são muitas. Vão desde as mudanças rápidas de costumes à facilidade de obtenção de lucros por parte de quem vende drogas. No ano dois mil os dois negócios que geraram mais dinheiro no mundo foram a venda de armas e o tráfico de drogas.

Portanto, seu filho adolescente está sujeito a ter fácil acesso às drogas debaixo de suas vistas. É melhor conscientizar-se dessa realidade. Você e ele. Antes que seja tarde demais. Droga tem risco de dependência. Uma vez iniciado o uso ficará cada vez mais difícil retornar ao não uso daquela substância química. Mesmo a suposta inocente maconha, que traz consigo o maior acesso a outras drogas pesadas.

POR QUE A DROGA ATRAI TANTO?

Desde o início da humanidade, quando o ser humano, consciente de si mesmo, progressivamente foi explorando o mundo que o cercava, deparou com substâncias na natureza que produziam efeitos agradáveis em seu corpo, libertando-o, nem que fosse por um momento apenas, da realidade que o envolvia. Os estados orgíacos provocados na mente, com sensação de separar-se da realidade, causam atração e gozo. Libertar-se de uma realidade que oprime é como estar no céu, sem problemas, numa boa.

Por isso faz-se uso de bebidas alcoólicas, drogas lícitas, permitidas pela sociedade e toleradas pela lei. Para relaxar. Ser mais comunicativo, alegre, bom de conversa, ter amigos, livrar-se do cansaço do dia a dia, esquecer as contas a pagar, etc. De uma maneira mais intensa as drogas provocam o mesmo efeito no cérebro. São agradáveis a uma primeira vista, como um orgasmo permanente. Trazem a promessa de um mundo sem problemas. Uma viagem... numa boa!...

Mas o problema está justamente aí. Na volta da viagem. No retorno à realidade. A quebra da ilusão de que se ficou livre da realidade. E cada vez mais ir buscando essa ilusão, e se separando cada vez mais das pessoas de afeto, do trabalho, dos estudos, da vida real. A dependência a essa busca de ilusão desvia o humano de seu projeto vital de expandir sua consciência como ser único no universo. Desamparado. Só. A fuga dessa realidade, bem como a busca de alternativas para o problema da existência humana, constitui a historia do homem. É nessa busca que está inserido o uso das drogas.

Drogas sempre existiram. Adolescentes sempre existiram. Por que a adolescência é um período de risco para a oferta dessa busca da ilusão acima, através do uso de drogas?

São nos momentos frágeis da vida humana que essas soluções mágicas aparecem e pegam. O mundo do adolescente é um mundo de inseguranças. Está deixando a infância e ainda não é adulto. As transformações corporais, impetuosas e imperativas, podem gerar sentimentos ora onipotentes, ora de baixo estima, conduzindo o adolescente à procura de respostas imediatas, saídas que apontem para um mundo melhor do aquele em que está inserido. E seu corpo, do qual não pode se separar é a fonte primeira e principal de suas inseguranças. Como sair dessa encruzilhada?

É para esse mundo adolescente, com instrumentos ainda imaturos para análise do mundo que nos cerca, que se voltam as propagandas de consumo da mídia. Vários meios de oferecer divertimentos (danceterias, viagens, moda, e tantas outras) com a finalidade de cativar um fiel mercado consumidor. É para esse público alvo que se volta também o mercado de drogas, surtindo o efeito esperado de oferecer ilusões para a fuga de suas realidades inseguras, geradoras de angústia e tensões.

Quais seriam as respostas sadias e satisfatórias para esse período tumultuado da nossa existência, que é a adolescência, no sentido de inserir-se na realidade que nos cerca sem ter necessidades de fugas? E muito menos do uso de drogas?


ALTERNATIVAS PARA A FUGA


Um caminho se faz ao caminhar. Não existem respostas únicas, fixas, imutáveis, salvadoras, para o problema do uso de drogas na adolescência Todos os setores da sociedade devem se conscientizar do problema e buscar possíveis soluções.

A conscientização dessa realidade já é um primeiro passo para solucioná-la. Pais e adolescentes que ignoram a existência das drogas estão mais sujeitos a se surpreenderem com o uso das mesmas. Negar uma realidade não significa que ela não exista.

Para o indivíduo que aspira à condição de adulto, o uso de drogas pode simbolizar maturidade. Para aqueles que estão negociando sua independência do mundo dos pais, as drogas podem ser vistas como facilitadores do processo. A aceitação pelo grupo de amigos, redução do estresse, fuga e rebelião contra o sistema são outras funções atribuídas ao uso de drogas. Além disso, o adolescente que está em desenvolvimento, que busca explorar os limites das suas capacidades, pode tentar fazê-lo por meio de alucinógenos.

As estratégias de intervenção para prevenção ou interrupção do uso de drogas por essa faixa etária devem considerar alternativas que satisfaçam suas necessidades de desenvolvimento. Mais de noventa por cento dos adolescentes experimentam drogas, na forma de álcool ou maconha, em alguma época.

A adolescência não é um período mágico que surge de uma hora para outra. Problemas comportamentais existentes durante o período da infância poderão se prolongar até essa época. Baixa de auto estima leva o indivíduo a procurar soluções diante do mundo, procurando saídas que o façam esquecer de si mesmo, procurando ajustes e aceitação entre os outros. A impossibilidade de realizar encontros sadios e satisfatórios faz surgir desvios de comportamento dos mais variados graus, incluindo o uso contínuo de drogas. Quanto maior a baixa de auto estima maior a probabilidade do adolescente usar drogas.

As artes são atividades de criação humana onde o adolescente poderá compreender suas questões e conviver com elas de forma produtiva e vital. A música, a dança, a pintura, a escultura, a literatura, as artes teatrais, o encontro sadio com o outro, são formas do adolescente expandir sua compreensão a respeito de si mesmo e do outro. Integrar-se no mundo, fazer parte dele, transforma-lo. Recriar a realidade que é aberta e cheia de possibilidades do novo.

Mas não a música ouvida e criada por outros. Muitas são ótimas de se ouvir. É criar mesmo. Ensinar música aos adolescentes. Eles mesmos senhores criativos.

Dança. Ensinar o adolescente a dançar, nas suas várias modalidades. Pintura. A arte de pintar o intangível, o que ainda não tem um significado claro e preciso. Escultura. Esculpir na matéria o que de imaterial existe em nós. Dar forma aos pensamentos e sentimentos. Literatura. Ensinar como fazer poesias, crônicas, criar personagens, dar vazão ao nosso mundo interior, inconstante e fértil. Artes teatrais. Representar nas artes cênicas o período adolescente. Criar e vestir-se de personagens que são eles mesmos, os adolescentes que ainda não são adultos e o que esperam desse mundo, expressando suas críticas. A arte de amar o outro. Aprender a amar, e muito se tem que aprender a respeito. Essa arte de várias composições e cores. Aprender a ser no mundo em constante mudança.

Cabe aos serviços públicos e privados chamar a si essa responsabilidade social de oferecer aos adolescentes esses mecanismos sadios e satisfatórios, alternativos ao uso das drogas, que respondam às suas necessidades de desenvolvimento. Expressar o fim da infância e o caminhar até a vida adulta. Travessia de angústias, alegrias e tensões.

Cabe aos pais conhecer seus filhos, saber o que se passa na adolescência, estimulá-los a aprender uma arte de suas preferências. Aos adolescentes cabe o papel de abrirem-se ao aprendizado dessas artes. A nós, profissionais da saúde e da educação, cabe o papel de orientar, dar a conhecer as mudanças biopsicosociaisespirutuais que compõem a adolescência, oferecendo alternativas ao saber científico. Unir as ciências às artes na procura do auto conhecimento. Expandir a consciência humana.

E aí não haverá necessidade de fugas da realidade. Mas necessidade de conhecê-la cada vez mais apreendê-la, penetrá-la, nos reconhecendo nela, através das artes. Realidade que é ampla, aberta, complexa, dialética, transcendente, em constante construção, que se desabrocha todo dia, dando-se a conhecer, onde a permanente procura da verdade, e a expressão dessa verdade, alimenta nossa sede de seres livres. Livres para a realidade, e não livres da realidade. Livres para amar e ser feliz. Sem nenhuma necessidade do uso de drogas, supostos passaportes para a alegria e felicidade.



Clínica Infanto-Juvenil Pró-Crescer: Do Feto à Adolescência (http://www.procrescer.med.br/)