quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Diante de uma criança (Carlos Drumond de Andrade)



           Diante de uma criança


Como fazer feliz meu filho?
Não há receitas para tal.

Todo o saber, todo o meu brilho
de vaidoso intelectual
vacila ante a interrogação
gravada em mim, impressa no ar.

Bola, bombons, patinação
talvez bastem para encantar ?

Imprevistas, fartas mesadas,
louvores, prêmios, complacências,
milhões de coisas desejadas
concedidas sem reticências ?

Liberdade alheia a limites,
perdão de erros, sem julgamento,
e dizer-lhe que estamos quites,
conforme a lei do esquecimento ?

Submeter-me à sua vontade
sem ponderar, sem discutir ?
Dar-lhe tudo aquilo que há
de entontecer um grão-vizir ?

E se depois de tanto mimo
que o atraia, ele se sente
pobre, sem paz e sem arrimo,
alma vazia, amargamente ?

Não é feliz. Mas que fazer
para consolo desta criança ?

Como em seu íntimo acender
uma fagulha de confiança ?

Eis que acode meu coração
e oferece, como uma flor,
a doçura desta lição:
dar a meu filho meu amor.

Pois o amor resgata a pobreza,
vence o tédio, ilumina o dia
e instaura em nossa natureza
a imperecível alegria.