quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Refluxo Gastroesofágico: a criança vomitadeira



Esta criança vomita desde que nasceu, doutor... esse menino quase morreu essa noite, ficou todo roxo, vomitando até pelo nariz... essa menina tem uma chiadeira nos peitos que nenhum remédio nem doutor ainda deu jeito de cuidar... eu trouxe essa criança aqui doutor porque morro de dó dela, ta magrinha que só vendo, é só comer e botar as coisas pra fora. Meu irmão mais velho também era assim, e morreu de pneumonia dupla. Tenho medo que aconteça a mesma coisa com ela.

Essas são queixas freqüentes em consultórios pediátricos. O que significa refluxo gastroesofágico? O que causa, o que pode acontecer com as crianças acometidas? Qual o melhor tratamento? Só cirurgia resolve o problema?

O QUE É?

Vomitar significa expelir pela boca o conteúdo do estômago. Tem várias causas. Nem toda criança que vomita possui a doença do refluxo gastroesofágico. Gastro significa estômago e esofágico aquilo que é referente ao esôfago, um canal muscular que conduz os alimentos da boca até o estômago.

O refluxo gastroesofágico é conceituado como o fluxo retrógrado (que volta) e repetido de conteúdo gástrico para o esôfago. É freqüente em crianças, na maioria das vezes de evolução benigna, e caracterizado pela presença de regurgitações.

A maior parte dos casos corresponde ao refluxo fisiológico, resultante da imaturidade dos mecanismos de barreira orgânica natural anti-refluxo. Embora podendo causar condições ameaçadoras à vida, como as crises de parada respiratória, o refluxo fisiológico tem, na maior parte dos casos, evolução satisfatória, sem comprometimento do crescimento e desenvolvimento da criança.

Por outro lado, o refluxo considerado doença (refluxo patológico) apresenta repercussões clínicas como déficit do crescimento, dor abdominal, irritabilidade, hemorragias digestivas, chiado no peito, pneumonias de repetição ou complicações relacionadas ao nariz, ouvido, seios da face e garganta.

A distinção entre refluxo fisiológico e patológico exige habilidade no diagnóstico e atenção na escolha do tratamento mais adequado a cada caso, atributos referentes somente aos médicos.

Entre as crianças que apresentam regurgitações com freqüência preocupante para os pais, apenas 2% necessitarão de investigação e 0,4% de cirurgia.

TIPOS DE REFLUXO GASTROESOFÁGICO

Pode ser fisiológico ou patológico, primário ou secundário e, ainda, oculto.

O refluxo fisiológico é mais comum nos primeiros meses de vida (quem nunca reparou o quanto os recém nascidos e lactentes regurgitam, fazendo parte do seu vestuário o babador?). As regurgitações pós alimentares surgem entre o nascimento e os quatro meses de idade, apresentando resolução espontânea, na maioria dos casos, até um a dois anos de idade. O crescimento da criança é normal, e não há outros sintomas ou complicações associadas. A freqüência das regurgitações diminui após seis meses de idade, coincidindo com a introdução de dieta sólida (sopinhas) e adoção de postura corporal mais ereta (mais assentadinha) pela criança.

Suspeita-se de refluxo patológico quando os vômitos e regurgitações não melhoram após seis meses de idade, não respondem às medidas de postura e dietéticas, e quando estão presentes repercussões clínicas como parada do crescimento ou sintomas e sinais sugestivos de inflamação do esôfago (esofagite), principalmente irritabilidade, choro persistente, e dificuldade para dormir em lactentes pequenos.

O refluxo é denominado oculto quando manifestações respiratórias, otorrinolaringológicas ou indicativas de esofagite ocorrem na ausência de vômitos e regurgitações.

Refluxo primário resulta da disfunção entre a união do esôfago com o estômago, facilitando as regurgitações e vômitos.

O refluxo secundário ocorre associado a várias outras doenças, tais como estenose congênita do esôfago, comunicação entre a traquéia e o esôfago, distúrbios da deglutição, alergia ao leite de vaca, infecção urinária, parasitoses intestinais, e outras.

O QUE AS CRIANÇAS SENTEM, QUANDO TÊM REFLUXO ?

Dependendo da idade de início dos sintomas, o refluxo pode ter vários significados e cursos clínicos. Pode ter duas formas de apresentação: da criança, e do adulto.

No refluxo da criança os sintomas aparecem nos primeiros meses de vida e melhoram até os 12 ou 24 meses em 80% dos casos.

O refluxo do adulto pode ser prolongamento da primeira, ou aparecer mais tardiamente; tem sintomas persistentes e, quase sempre, necessita de tratamento.

As manifestações clínicas do refluxo podem ser específicas, tais como ruminação (ficar com movimentos mastigatórios contínuos), regurgitações, arrotos; dor abdominal, anemia e sangramentos; chiado no peito de repetição que não melhora com as medidas habituais; pneumonias de repetição, laringites, sinusites, infecções do ouvido de repetição, e outras.

Em lactentes a suspeita de inflamação no esôfago (esofagite) ocorre quando há choro excessivo, irritabilidade, distúrbios do sono, agitação e recusa da dieta (a criança passa a ter medo de alimentar-se, e sentir dor).

A criança maior pode queixar-se de queimação sobre o estômago, dor no peito tipo angina, dor abdominal, dor durante a alimentação e excesso de salivação.

Haverá comprometimento do crescimento porque os nutrientes não são adequadamente aproveitados pelo organismo.

O chiado no peito tem várias causas. Quando uma criança que está chiando não responde aos medicamentos habituais utilizados na asma, pensa-se em refluxo gastroesofágico como o causador do problema.

A apnéia, ou parada respiratória, ameaçadora à vida, pode ocorrer nos primeiros quatro meses de vida, mas a relação entre essa e o refluxo gastroesofágico é difícil de se estabelecer. Quando a apnéia ocorre logo após episódios de vômitos é possível que seja secundária ao refluxo.

O refluxo tem sido associado a vários outros acontecimentos na vida da criança, como morte súbita do lactente, soluços, rouquidão e erosão dentária. Como pode ser constatado, somente o médico poderá fazer o diagnóstico diferencial entre tantas condições clínicas apresentadas pela criança que vomita.


DIAGNÓSTICO

O diagnóstico do refluxo gastroesofágico deve começar pela elaboração da história clínica completa. A historia clínica de regurgitações em crianças de baixa idade, sem outras queixas e sem alterações ao exame físico, sugere o diagnóstico de refluxo fisiológico. Nesses casos não há necessidade de qualquer exame complementar, sendo recomendado o acompanhamento clínico.

Sintomas e sinais como ganho insuficiente de peso, irritabilidade, choro constante, sangramentos digestivos evidentes ou ocultos, acompanhados de anemia de difícil controle, chiado no peito persistente, pneumonias de repetição e sintomas otorrinolaringológicos recorrentes podem ser manifestações do refluxo gastroesofágico patológico.

Para a confirmação existem vários exames complementares disponíveis, cada qual com sua maior ou menor precisão diagnóstica, cabendo ao pediatra selecionar os mais indicados em cada caso.

Somente para maior divulgação de informações ao leitor interessado no assunto os exames disponíveis para o diagnóstico do refluxo são:

1) Radiografia de esôfago, estômago e duodeno (REED);

2) Manometria para medir a pressão da região situada entre o esôfago e o estômago;

3) Cintilografia – que tem como vantagem a baixa exposição a radiações, e possibilidade de fazer o diagnóstico de pneumonias de aspiração;

4) Ultra-Sonografia do esôfago – exame não invasivo, que tem sido preconizado para o diagnóstico de refluxo oculto;

5) Endoscopia digestiva alta e biópsia esofágica – indicada principalmente quando se pensa em esofagite e suas conseqüências;

6) Monitorização do pH do esôfago (pHmetria) – considerado o exame de eleição para o diagnóstico do refluxo, e

7) Impedanciometria intraluminal – utilizado junto com a pHmetria, de valor na avaliação das manifestações respiratórias associadas ao refluxo.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Cabe ao pediatra fazer o diagnóstico diferencial entre as várias patologias que poderão causar os mesmos sintomas da “criança vomitadeira”.

As manifestações clínicas do refluxo são variáveis e relacionadas não apenas ao trato digestivo. O diagnóstico diferencial é extenso e inclui obstruções mecânicas, congênitas, do trato digestivo alto, alergias alimentares (especialmente à proteína do leite de vaca), doenças infecciosas e neurológicas, hiper reatividade brônquica, úlcera péptica, cólica do lactente e outras causas de irritabilidade do lactente.

TRATAMENTO

A orientação aos pais é de fundamental importância. Eles devem conhecer a evolução do refluxo, suas principais conseqüências, o tempo de evolução e cura, bem como a importância do seguimento periódico de seu filho.
Não há uma solução mágica, rápida e curativa, de imediato, para a criança portadora de refluxo gastresofágico. Esse conhecimento por parte dos pais evitará frustrações, corrida de médico em médico, e atitudes intempestivas, acusando esse ou aquele profissional de fracasso no tratamento de seu filho. Algumas vezes, somente com a orientação adequada, a freqüência das regurgitações e vômitos chega a diminuir.

As modificações dietéticas propostas para reduzir os episódios de refluxo devem respeitar as necessidades nutricionais da criança. O espessamento da mamadeira tem maior eficácia. O espessamento da dieta reduz o número de episódios de refluxo, porém, a duração do episódio mais longo pode aumentar, dificultando a eficácia do esvaziamento do esôfago. O efeito do alimento para diminuir a acidez gástrica evita o agravo da lesão inflamatória do esôfago (esofagite).

Alimentos e medicamentos que diminuem o tônus da junção entre o estômago e o esôfago ou aumentem a acidez gástrica devem ser evitados. Como, por exemplo, alimentos gordurosos, frutas cítricas (laranja, limão, abacaxi, etc), tomates, café, álcool, fumo (inclusive fumantes passivos, como as crianças); e alguns medicamentos de conhecimento pediátrico, devem ser evitados.

Recomenda-se, em geral, cabeceira do berço ou da cama elevada a 30 graus (um tijolo sob os pés da cabeceira) e manutenção da criança ereta (quase em pé) no período pós-alimentação.

Quanto ao uso de medicamentos para o tratamento do refluxo gastresofágico cabe ao médico faze-lo, selecionando os mais indicados em cada caso, bem como o tempo total de uso, com controle adequado dos efeitos colaterais.

Um medicamento bastante eficaz contra o refluxo gastresofágico deixou de ser recomendado pela possibilidade de arritmias cardíacas associadas a seu uso. Trata-se da cisaprida (com vários nomes comerciais tais como o Cispride e o Prepulsid – existindo recomendações precisas de doses e controle rigoroso de seu uso por parte exclusiva do médico responsável pelo tratamento das crianças que estão sob seus cuidados.)

Remédios para refluxo jamais deverão ser recomendados por leigos ou por mães que já tiveram a experiência com seus próprios filhos, passando a se achar entendidas no assunto. De médicos e loucos...

O papel da cirurgia anti-refluxo como proposta para cura definitiva do refluxo tem sido questionado, principalmente pelo surgimento de medicamentos mais potentes para inibir a secreção ácida do estômago. A cirurgia apresenta altas taxas de recidivas, além de custo elevado.

Por outro lado, o tratamento clínico exige adesão e compreensão da família, além de ter efeitos colaterais associados. A melhor opção para o tratamento em longo prazo das crianças com esofagite, se cirurgia ou tratamento clínico, ainda está por ser definida.

Clínica Infanto-Juvenil Pró-Crescer: Do feto à Adolescência (www.procrescer.med.br)