segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Febre: o que fazer e o que não fazer




1) O QUE É FEBRE?


É um dos sinais mais frequentes em crianças, sendo responsável por cerca de 30% das consultas de urgência em consultórios pediátricos ou em Pronto Atendimento.

É motivo de grande preocupação e ansiedade para os pais. É freqüentemente a primeira manifestação de doença na criança, podendo ser sinal de doença banal e autolimitada ou de doença grave, potencialmente letal.

A temperatura corporal é regulada por uma parte do Sistema Nervoso Central que se chama Hipotálamo, que tem a função de manter a temperatura interna do organismo dentro de limites desejáveis.

Todas as outras situações associadas a aumentos da temperatura corporal sem influência do centro termoregulador devem ser chamadas de hipertermia e não de febre (insolação por exposição excessiva ao sol, a desidratação, a intoxicação por salicilatos ou outras drogas, etc).

2) QUAL A TEMPERATURA NORMAL DO CORPO HUMANO?

O ser humano mantém sua temperatura interna quase constante, variando de 0,5 a 1o C durante suas atividades diárias, com influência de vários fatores como idade, sexo, estado de nutrição e hidratação, atividade física, alimentação, hora do dia, temperatura ambiental, emoções, vestuário, etc.

A temperatura corporal é mais baixa bem cedo pela manhã (das três às cinco horas) e mais alta à noite (das 17 h às 18 h).

Em nosso meio é costume medir a temperatura axilar, sendo necessário que o termômetro seja mantido no local três minutos.

Em condições habituais a temperatura axilar acima de 37,3 deverá ser considerada anormal. Mas considera-se normal a variação da temperatura axilar de 36 o C pela manhã a 37,7 o C à tarde.


3) APRESENTAÇÃO CLÍNICA DA FEBRE

A febre é apenas um sinal que, isoladamente, não permite diferenciar uma doença benigna e autolimitada de outra potencialmente grave.

Na avaliação de uma criança febril é necessário levar em consideração dados importantes como idade, duração e grau da temperatura, sinais e sintomas associados, sinais de toxemia ou acometimento dos diversos órgãos que serão exaustivamente pesquisados pelo médico através de uma história cuidadosa e exame físico minucioso.


4) FATORES DE RISCO PARA UMA CRIANÇA FEBRIL

Cerca de 3 a 5% das crianças com quadro clínico de febre recente sem sinais de localização poderão evoluir para uma bacteremia oculta (presença de bactérias na corrente sanguínea), podendo evoluir para doenças graves (meningite, septicemia, infecção urinária, infecção nos ossos e articulações, pneumonias, infecções intestinais, etc).

O grande desafio na clínica pediátrica diária é descobrir esse pequeno grupo de pacientes que poderão evoluir como descrito acima.

Os grupos de maior risco são:

1) recém-nascidos (até 28 dias de vida) e lactentes abaixo de dois meses de idade;

2) temperatura superior a 39,4 (principalmente superior a 41 o C);

3) contagem de leucócitos totais abaixo de 5.000 ou acima de 15.000 (principalmente acima de 20.000);

4) Hemossedimentação maior do que 30 mm/h;

5) ocorrência de convulsão febril;

6) febre com petéquias ou sufusões hemorrágicas pelo corpo;

7) criança sabidamente imunodeprimida;

8) alterações inespecíficas do exame clínico como letargia, irritabilidade, inapetência, pouco responsiva aos estímulos, pulsos periféricos finos, perfusão diminuída, dificuldade respiratória, palidez, cianose (cor arroxeada dos lábios e extremidades, pele mosqueada (toda quadriculadinha);

9) crianças cardiopatas, diabéticas ou que tenham retirado o baço por qualquer motivo ou portador de anemia falciforme.

5) POR QUE NÃO TRATAR SINTOMATICAMENTE A FEBRE?

a) Os episódios de febre são curtos e autolimitados, na maioria das vezes;

b) Atribuem-se benefícios fisiológicos à resposta febril aos agentes produtores de febre;

c) A febre pode aumentar a resposta imune, estimulando a capacidade de destruir bactérias dos leucócitos e aumento de produção de interferon, assim como causa migração dos leucócitos para os locais de infecção;

d) A febre pode inibir a multiplicação de vários microorganismos;

e) A febre é um sinal de alerta que não deve ser mascarado pelo uso de antitérmicos;

f) Os antitérmicos não são drogas isentas de efeitos colaterais e reações adversas potencialmente graves.


6) POR QUE TRATAR SINTOMATICAM ENTE A FEBRE? 

a) Apesar dos benefícios teóricos citados acima, existem poucos trabalhos comprovando tais dados em seres humanos;

b) O controle da febre torna as crianças mais confortáveis, trazendo um alívio sintomático do mal estar, dor de cabeça, dor muscular, etc., facilitando o exame físico e a interpretação dos achados (como o desaparecimento dos sinais de meningismo, irritabilidade, prostração, aumento da freqüência cardíaca, aumento da freqüência respiratória, etc);

c) A febre aumenta a taxa metabólica, com um aumento do consumo de oxigênio, da produção de dióxido de carbono e das necessidades calóricas e hídricas, podendo acarretar uma sobrecarga cardíaca, desencadeando ou aumentando a insuficiência cardíaca nas crianças cardiopatas ou anêmicas, insuficiência respiratória nos pacientes com doenças pulmonares crônicas ou desequilíbrio metabólico nas crianças suscetíveis (como as diabéticas);

d) A febre pode precipitar convulsões nas crianças predispostas entre seis meses e cinco anos de idade (convulsão febril benigna ou simples). Pode também desencadear convulsões nos indivíduos com epilepsia ou outras doenças neurológicas;

e) A febre deprime a motilidade gástrica, podendo levar à falta de apetite e vômitos;

f) Febre alta durante a gravidez poderá causar malformações fetais.

7) CONCLUSÃO

Nem sempre há necessidade de se tratar a febre e nem de normalizar totalmente a temperatura corporal.

Deve-se usar antitérmicos:

1) Temperatura superior a 38 o C nas crianças em acompanhamento ambulatorial;

2) Deve-se evitar dar antitérmicos em horários fixos, apenas quando necessário a cada quatro ou seis horas;

3) Não há necessidade de manter a criança sem febre;

4) crianças com antecedentes pessoais e familiares de convulsões ou portadores de doença neurológica;

5) crianças de alto risco – cardiopatas, pneumopatas crônicos, anêmicos (anemia falciforme), nefropatas ou portadores de doenças metabólicas, pelo risco de descompensação.

8) TRATAMENTO DA FEBRE

Para se tratar bem a febre, que não é uma doença em si, deve-se saber de suas possíveis causas.

Medidas gerais que poderão ser tomadas pelos pais ou responsáveis:

1) uso de roupas leves, ambiente arejado, aumento de ofertas de líquidos e alimentos mais leves (sem forçar) e redução do esforço físico;

2) medidas físicas: compressa morna é preferível ao uso de água fria, pois provocam menos desconforto, menos calafrios, sendo que a criança deve ser despida e as compressas renovadas a cada um ou dois minutos.

O esponjamento com água morna é bastante útil, levando a perda de calor. A adição de álcool à água é DESACONSELHÁVEL pelo risco de absorção (por inalação), podendo levar ao coma, aumento do desconforto, do custo e até mesmo de acidentes por fogo. A compressa morna é mais eficaz do que os banhos de imersão em água morna (15 a 30 minutos), que devem ser feitas APENAS nas crianças conscientes e cooperativas.

Deve-se INTERROMPER o banho ou o esponjamento sempre que a criança apresentar tremores ou calafrios.

Uso de medicamentos deverá ser feito somente sob orientação médica.

A aspirina e o acetominofeno têm eficácia antitérmica e analgésica equivalente, sendo que a aspirina (ácido acetil salicílico – AAS) está cada vez sendo menos usada pelo risco de desenvolvimento de uma doença grave chamada SÍNDROME DE REYE quando se usa esse medicamento em crianças com vírus influenza ou vírus da catapora. A dipirona é a droga antitérmica mais eficaz, sendo que no Brasil a associação do uso da mesma com efeitos colaterais como agranulocitose, anemia aplástica ou alergias tem sido pouco verificada, com incidência bem inferior a de outros paíes.

O uso de dipirona na dose de 0,6 gota por cada kilo de peso (e não uma gota a cada kilo de peso) tem sido tão eficaz quanto a dose de 13 mg/kg/dose (uma gota por kilo/dose) do acetominofeno (paracetamol), com menos efeitos colaterais.

Em nosso meio usa-se também como antitérmico um antiinflamatório não hormonal de nome ibuprofeno, com eficácia semelhante aos outros citados.

Clínica Infanto-Juvenil Pró-Crescer: Do Feto à Adolescência

Pediatria Ambulatorial - Quarta Edição.